PROJETOS DA COPA 2014 EM MANAUS

PROJETOS DA COPA 2014 EM MANAUS

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

UM PAÍS A MERCÊ DO TURISMO PREDATÓRIO - INFÂNCIA SEM COPA.

FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/infancia-sem-copa/conteudo.phtml?id=1292942

Copa do Mundo trará 500 mil turistas estrangeiros, entre eles muitos pornoturistas. Infância está vulnerável à exploração nas cidades-sedes.

Copa do Mundo trará 500 mil turistas estrangeiros, entre eles os pornoturistas . Infância está mais vulnerável à exploração no turismo sexual em cidades-sedes como Rio, Salvador, Recife, Natal e Fortaleza.
Albari Rosa/Gazeta do Povo
Albari Rosa/Gazeta do Povo / Turista sueco conversa com brasileira que ele conheceu na Praia de Ponta Negra, em Natal, lugar de maior incidência de turismo sexual na capital potiguar Turista sueco conversa com brasileira que ele conheceu na Praia de Ponta Negra, em Natal, lugar de maior incidência de turismo sexual na capital ­­po­tiguar
Sexo proibido

Quando a Copa de 2014 chegar, o Brasil terá provado ao mundo ser capaz de erguer uma dezena de odes de concreto ao esporte que o notabilizou como país do futebol. Terá estádios monumentais, mais aeroportos, metrôs e avenidas. Vai dispor para isso de R$ 27 bilhões, o equivalente a metade da economia de um ano inteiro de um país como o Paraguai, ou o Bahrein. Mas a Copa não é para todos. Uma parcela dos brasileiros já saiu perdendo, a começar pelas 170 mil pessoas ameaçadas de perder suas casas para dar lugar às obras. Há também os que ainda vão perder com a Copa, mas não sabem, e, ao contrário, pensarão estar tirando alguma vantagem.

Falta controle em hotéis e pousadas
Estabelecimentos facilitam entrada de garotas sem documentos. Em Recife e Salvador, recepcionista e mensageiro agenciam meninas para os hóspedes
Setor carece de orçamento e política pública
O Brasil desconhece a dimensão da exploração sexual de crianças e adolescentes porque não dispõe de estatísticas a respeito. “Não se faz políticas públicas sem dados e sem orçamento”, avalia a advogada especialista em direitos da infância Jalusa Silva de Arruda, da Universidade Federal da Bahia. O país carece de ambos. O único estudo do gênero é de 2002. Desde então, tateia-se em cifras ocultas, mascarando o problema com subnotificações ao lançar o pouco que se registra no pacote das “violências sexuais”.
Megaeventos como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 tendem a agravar essas discrepâncias devido à vinda dos pornoturistas imiscuídos no grande fluxo de turistas. “Os casos de turismo sexual, quando identificados, são enquadrados na categoria de violência sexual”, observa Tiana Sento-Sé, representante no Brasil da ECPAT Internacional, organização que trabalha em 20 países no enfrentamento da exploração sexual, da pornografia, do turismo sexual e do tráfico de crianças e adolescentes.
“Os governos estão na verdade investindo na exploração sexual, uma vez que trarão um grande número de turistas sem investir em políticas públicas de prevenção”, analisa o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, Mar­cos Dionísio Medeiros Caldas. O mais grave é que estados e municípios estão ausentes das discussões, inertes nas ações e omissos em seus orçamentos, constata o Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Fe­de­­ral do Rio Grande do Norte.
Visão judicialista
Os governos resistem em admitir a existência do turismo sexual porque isso mancha a reputação das cidades turísticas, o que se reflete na falta de ações governamentais. Para o advogado Carlos Nicodemos, coordenador do Projeto Legal, a visão judicialista sobre o tema leva à prevalência de um sistema judiciário com viés criminalizador das vítimas. “Crianças e adolescentes expostos ao turismo sexual são na verdade vítimas de estupro”, considera. A origem do problema está na falta de ações de governo que sejam capazes de protegê-las das redes de exploração.
Os exemplos de descaso se espraiam pelo país. No Rio de Janeiro, o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente tem desde 2002 um plano de enfretamento à violência sexual. Mas só 15% das ações saíram do papel, diz Nicodemos. Os 92 municípios do estado têm Conselhos Tutelares, mas sucateados.
Em Natal, os Conselhos Tutelares estão à míngua. Até julho, a prefeitura não havia feito um repasse sequer no ano e o CT Leste sobrevivia das sobras de 2011. A unidade enfrentou até uma ação de despejo porque o município não havia pagado o aluguel. O repasse mensal de R$ 14,5 mil cobre aluguel, combustível, água, luz, telefone e material de expediente.
O Brasil espera um grande movimento financeiro durante a Copa e, antes disso, com as obras de infraestrutura nas 12 cidades-sedes. Mas há uma ameaça por trás de tanta euforia: a concentração de operários nas obras, a grande movimentação de pessoas nos jogos e a circulação de dinheiro representam um risco maior às crianças socialmente vulneráveis. As redes de exploração sexual e de tráfico de seres humanos tendem a se organizar para recrutar mulheres, crianças e adolescentes para uma demanda que certamente crescerá com a vinda de mais de meio milhão de turistas, pelas estimativas do Ministério do Turismo.
Mais vulneráveis
Quem mais vai perder é uma infância já maltratada, que ficará sem Copa e sem direitos. As condições estão postas desde há muito. Durante 45 dias, a equipe da Gazeta do Povo percorreu 10.500 km pela costa brasileira, passando por Rio de Janeiro, Recife, Natal, Salvador e Fortaleza, as cinco cidades-sede da Copa onde crianças e adolescentes estão mais vulneráveis ao turismo sexual, um simulacro do turismo convencional que melhor se qualificaria como turismo predatório, pelo pouco que deixa e o muito que leva. O sexo turismo existe, ainda que governos e parte do setor turístico não o reconheçam.
Neste cenário de sol e mar se cruzam dois personagens da exploração sexual no turismo, numa relação desigual entre quem tem poder econômico e quem busca a sobrevivência ou uma melhor colocação socioeconômica. De um lado, o turista à procura de aventuras eróticas em lugares onde possa transgredir os padrões morais livre de hostilização e sem se submeter ao escrutínio da consciência; de outro, crianças saídas de um cenário social caótico, submetidas à miséria, ao alcoolismo, às agressões físicas e ao abuso sexual, ou, ainda, jovens de classe média atrás de recursos para melhorar o padrão de consumo.
O pornoturismo segue uma lógica de mercado. Exis­te porque há demanda, e o Brasil é um destino barato para quem chega de países com moeda mais valorizada do que o real. O predador sexual usa a mesma infraestrutura de outros turistas e, em geral, a atividade depende da cumplicidade por ação direta ou omissão de guias e agências de viagens, hotéis, bares, restaurantes, barracas de praia, garçons, porteiros, caminhoneiros, taxistas, prostíbulos, casas de massagem. E enquanto houver o turismo sexual, a possibilidade de ele atrair crianças e adolescentes sempre existirá. Cada cidade tem seus pontos propícios para o sexo proibido com menores de idade.
No Rio, um bar sofisticado de Copacabana atende aos turistas que buscam sexo. Em maio, a Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Decav) recolheu dali quatro meninas de 16 e 17 anos, duas com documentos falsos. A Decav indiciou três turistas dos Estados Unidos e quatro agenciadores brasileiros por exploração sexual. Nem isso fez cair o movimento de estrangeiros atrás de sexo fácil. Também é grande no local o fluxo de carros de luxo que buscam garotas de programa para levá-las às saunas, hotéis e condomínios onde os turistas as aguardam.
As garotas assediam os turistas e propõem diversos lugares para o programa. “Pode ser ali na escada, amor, ali na escada, no carro ou no motel”, diz uma. “Na beira da praia?”, exclama o repórter. “Não. Aqui, ó, na calçada, no calçadão”, diz apontando para uma escada de acesso ao subsolo de um quiosque.
“No hotel tem que pagar 80 reais, mais o programa. Ali não, amor, ali é tranquilo”, assegura. O sexo ao ar livre também é oferecido na Barra da Tijuca, bairro nobre para onde a prostituição está migrando. Ali, uma travesti adolescente propôs o programa entre os latões de lixo atrás de um quiosque fechado, ao lado do calçadão.
Praia e sexo
Em Fortaleza, um conjunto de bares anima as noites nos arredores da Praia de Iracema, a mais badalada da cidade. “Ali é só para o turismo sexual”, avisa um agente alternativo de turismo que aborda turistas no calçadão. Ele sabe do que está falando. Ainda na rua dá para ver o balançar dos corpos em movimentos insinuantes, ouvir os gritos alegres e uma música difusa e barulhenta que entra pelos ouvidos. Corpos esguios, mal cobertos, transitam entre os clientes. Pelas portas e janelas vazam nuvens de fumaça e os eflúvios de álcool. São templos de prazer fácil e fugaz, onde se consegue horas felizes com pouco dinheiro.
“São todas garotas de programa”, diz um dos taxistas que aguardam à porta, apontando as duas boates, uma em cada esquina. As casas simulam algum controle, mas nada que impeça a entrada de menores de idade. As ruas em frente estão coalhadas de mulheres e adolescentes à espera de clientes enquanto descansam e comem um cachorro-quente. O cenário se repete na Rua do Salsa, em Natal, onde casas noturnas para turistas se confundem com bares que se tornaram pontos de concentração de garotas de programa. Os turistas chegam por indicação de guias de turismo, barraqueiros de praia, garçons, taxistas, recepcionistas de hotéis.
Durante o dia, o assédio aos turistas se dá na Praia de Ponta Negra, a mais badalada de Natal, comum também nas praias do Meio e Rendinha. A relação das nativas com os visitantes nem sempre acaba bem. Só o Conselho Tutelar Sul atende a 10 casos de estrangeiros que brigam na Justiça pela guarda do filho que tiveram com brasileiras. Em Salvador, o turismo sexual é frequente nas praias de Itapoã e Barra, onde a reportagem entrevistou mãe e filha que fazem programas com estrangeiros.

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