PROJETOS DA COPA 2014 EM MANAUS

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terça-feira, 5 de março de 2013

DA AREIA AOS ESCOMBROS, O LEGADO DE RAVEL.

 
Promessa da seleção sub-19 de vôlei de praia vive drama de ter sua casa demolida nas obras da Transcarioca.
 
Ary Cunha

Lar de escombros. O jogador de vôlei de praia Ravel Mendonça (à direita), abraçado ao pai, Rosinaldo, e ao irmão mais velho, Juan, que tem necessidades especiais: volta para casa marcada pela tristeza de ver toda a vizinhança destruída
Foto: O Globo / Carlos Ivan
Lar de escombros. O jogador de vôlei de praia Ravel Mendonça (à direita), abraçado ao pai, Rosinaldo, e ao irmão mais velho, Juan, que tem necessidades especiais: volta para casa marcada pela tristeza de ver toda a vizinhança destruída
O Globo / Carlos Ivan
 
RIO — O cenário na esquina da Rua Cândido Benício com o Largo do Tanque, em Jacarepaguá, faz lembrar o de um terremoto de grande escala. Paredes destruídas, fios e tubulações entre toneladas de escombros, esgoto a céu a aberto e quase ninguém para contar a história. Das 66 famílias que ali viviam até o início do ano, apenas seis, por ora, não tiveram suas casas demolidas pela prefeitura, para a construção da Transcarioca, uma das obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo-2014 e as Olimpíadas-2016, ligando o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Barra da Tijuca. Numa dessas residências humildes, ainda de pé, uma jovem promessa do esporte brasileiro vive o drama de ter seu sonho olímpico atropelado pelo legado.
 
Concentrado desde janeiro no CT da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), em Saquarema, com a seleção sub-19 de vôlei de praia, Ravel Mendonça, de 17 anos e 2,01m, viveu dias de euforia, entre treinos e competições. Foi assim, até receber uma ligação do pai, o pintor de paredes Rosinaldo Mendonça, pouco antes do carnaval, com a notícia devastadora. Os rumores de que a casa, onde vive desde 2009, seria demolida se tornavam realidade.
 
— Depois que meu pai me deu a notícia, não parava de pensar na minha família sendo despejada. Meu rendimento caiu muito nos treinos. Tinha horas em que eu ficava disperso, olhando para o nada — afirma Ravel, que desde que soube da demolição vem se consultando com um dos psicólogos da CBV. — Minha meta é disputar os Jogos, representar o país. Estou me preparando para isso e a própria Olimpíada atropela meu caminho, minha evolução.
 
Lotes em terreno público
Em ritmo acelerado, a Subprefeitura da Barra e Jacarepaguá deu início este ano às negociações de retirada das famílias, que compraram lotes irregularmente, num terreno público, para realizar o sonho da casa própria. Diante da oportunidade de deixar a vida de aluguel na Favela da Chacrinha, próxima ao largo, Rosinaldo não hesitou em empregar R$ 15 mil de economias para garantir o que achava ser, enfim, seu pedaço de chão. A construção da casa de 60 metros quadrados, até hoje inacabada, com tiras de madeira pregadas no lugar das janelas frontais, teria consumido, segundo o pai de Ravel, outros R$ 35 mil. E as ofertas de indenização vieram bem abaixo do que ele alega ter investido. Como se trata de uma ocupação irregular, a prefeitura avalia apenas as benfeitorias feitas no terreno e o tempo de ocupação, não levando em conta o valor de mercado na região.
— Começaram com R$ 18 mil, depois subiram para R$ 26 mil, e houve muita pressão psicológica. Chegaram a R$ 32 mil, mas isso não dá para comprar nada. Como tenho um filho com necessidades especiais (Juan, de 18 anos, que é autista), aleguei que não posso morar numa quitinete. Subiram a oferta para R$ 40 mil e tive de aceitar, porque minha mulher estava muito nervosa e eu tinha medo até de ela enfartar. Foi muito desgastante. Temos de desocupar a casa até sexta-feira e ainda não sei para onde vamos — desabafou Rosinaldo.
 
A um passo do Mundial
Através de sua assessoria de imprensa, a subprefeitura informa que chegou a oferecer o pagamento de um aluguel social, para Rosinaldo, até que ele pudesse receber as chaves de sua casa própria legalizada, através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, no Complexo Juliano Moreira, em Curicica. Mas Rosinaldo recusou a proposta. Enquanto as partes negociavam, Ravel treinava e participava de torneios com a seleção. Disputou etapas do Brasileiro em João Pessoa, mês passado, e em Campinas (SP), no último fim de semana. Dos 12 atletas que iniciaram a pré-lista, no dia 21 de janeiro, restam cinco. E há quatro vagas para o Mundial da categoria, no Chipre, no mês de julho.
Como os menores de idade só conseguem deixar o CT de Saquarema acompanhados dos pais, para passar os fins de semana fora, Ravel ainda não tinha se deparado com o novo cenário de seu endereço. Vizinhos deram lugar a operários. Sua casa é a única intacta na ruela. Ao abrir a porta, os poucos pertences da família encaixotados escancaravam o despejo iminente. O semblante triste dos pais, Rosinaldo e Rosilene, o silêncio do irmão caçula Roger, de 6 anos, e a agitação maior que a habitual de Juan nem de longe eram as boas-vindas que o orgulho da família esperava encontrar. A ficha, enfim, caiu:
 
— No início de fevereiro, as casas ainda estavam de pé. Quando vi tudo destruído, foi duro acreditar. Não reconheci a minha própria casa. Vi quer éramos os próximos, que não tem volta. É triste voltar para Saquarema sem saber para onde minha família vai. Mas tenho de continuar concentrado, trabalhando forte — afirma o jogador.
 
Ravel voltou nesta segunda-feira mesmo para Saquarema e nesta terça-feira inicia mais uma semana de treinos, sem saber onde mora. A partir de sexta-feira, a família Mendonça vira uma página dolorosa. Resta agora ao jovem gigante das areias também transformar escombros em via expressa, rumo ao olimpo carioca:
 
— Em vez de chorar, quero que tudo isso me inspire a buscar meu sonho com mais forças. Se minha família hoje sofre, se vou perder minha casa, então essa dor tem de valer a pena.

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