"Fazendo inveja ao contrário..." Como diz a toada, o governo do Estado vizinho oferece conforto aos usuários, enquanto em Manaus os passageiros se espremem em pranchas.
GERSON SEVERO DANTAS
Um dos prometidos legados da Copa do Mundo em Manaus oferece ao usuário desconforto e poeira frutos de uma interminável briga política-empresarial que descaracteriza um dos pontos de maior interesse para o patrimônio histórico da cidade: o porto de Manaus. Enquanto o legado dos ingleses para o povo de Ajuricaba vive dias de “maquiagem” feita às pressas para a Copa, bem aqui ao lado, em Belém, o porto local deixou de ser um patinho feio para adquirir padrão de aeroporto da Fifa mesmo sem a cidade ser “Host City” (sede jogos).
O “milagre” foi operado em 1 ano e um mês - da licitação à inauguração - e tudo passou pelo crivo do Ministério Público do Pará e do escritório local do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com um atraso de exatos 30 dias sobre o cronograma inicial. Enquanto isso, o porto de Manaus teve obras iniciadas após quase quatro anos de querelas iniciadas após a privatização empreendida no terceiro governo de Amazonino Mendes (1998-2002) e que beneficiou a família do ex-senador Carlos Alberto De´Carli. Durante o processo, Amazonino entregou a administração do porto e também a autoridade portuária. Isso foi questionado na Justiça e brecou os investimentos que previam até a instalação na estação hidroviária de um dos bares mais famosos do mundo, o Hard Rock Caffee. Tudo ilusão!
Em Belém, o usuário do Terminal Hidroviário do Porto de Belém Luiz Rebelo Neto desfruta de padrão internacional, com área climatizada, painéis de led indicando horário de chegada e partida dos barcos, sistema de som anunciando o momento de embarcar, tudo isso com o passageiro esperando em cadeiras de padrão igual às que estão sendo instaladas no novo aeroporto internacional Eduardo Gomes, em Manaus. Para completar o conforto do passageiro, há cafés, lanchonetes, serviços de orientação ao turista, lojas de artesanato, bebedouros, bancos eletrônicos, lotéricas e em dias de chuva uma sanfona (finger) para o passageiro não se molhar no deslocamento entre as estações de embarque e desembarque e as plataformas de acesso aos barcos. Tudo isso funciona no armazém 9 do porto.
O Salão de embarque tem cadeiras compadrão de aeroporto e painéis de led
Conforme estimativa da Companhia de Portos e Hidrovias do Estado do Pará (CPH), pelo terminal circulam até duas mil pessoas diariamente, indo ou vindo da Ilha de Marajó, Macapá, Baixo Amazonas e Manaus. O custo da obra foi de R$ 19 milhões, R$ 15 milhões oriundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e R$ 4 milhões em recursos próprios do Estado.
Para renovar a estação, que antes funcionava no armazém 10, o Governo do Estado assinou um convênio com a Companhia Docas do Pará, autarquia federal ligada a Secretaria Especial de Portos. Pelo convênio, a CPH opera a estação e a autoridade portuária é exercida pela Companhia Docas.
Sem conforto no “Rodway”, na “Barelândia” quem não temporto “caça” com o paredão da Manaus Moderna, onde as condições para embarque e desembarque são uma verdadeira roleta-russa do ir e vir.
No porto da Manaus Moderna, o passageiro tem que se aventurar sem segurança numa prancha
Pontos
Em 2001, no auge das privatizações do Governo FHC, o ex-governador Amazonino Mendes privatizou a Cosama e o Porto de Manaus. Isso foi possível porque a União estadualizou a administração do porto.
Pelo acerto jurídico da licitação, quem ganhasse o porto levava a autoridade portuária, que na época foi batizada de Sociedade, Portos e Hidrovias da Amazônia (SNPH). Consórcios de empresas ligadas ao ex-senador Carlos Alberto De´Carli arrebataram o negócio e iniciou investimentos para revitalizar o porto.
O negócio degringolou com a chegada de Eduardo Braga ao poder (2003). Ele não aceitou os termos da privatização e recorreu à Justiça. Uma ação judicial da senadora Vanessa Grazziottin também questionava o negócio.
As ações na Justiça não lograram êxito, mas passados oito anos, o então Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, conseguiu retomar a autoridade portuária de volta para a União, invalidando em parte o processo iniciado por Amazonino. A administração do porto, contudo, foi mantida com os consórcios.
Reposta a autoridade, o porto ficou submetido a Companhia Docas do Maranhão (Codomar) e o DNIT a responder por ele no Amazonas. O DNIT então encomendou uma obra de reforma com custos estimados de R$ 89,4 milhões. Brigas judiciais só liberaram o início da obra em abril deste ano.
Em Belém houve processo semelhante. O porto de lá tem 12 armazéns e se estende por uma faixa de quase dois quilômetros às margens da baía do Guajará. Destes, dois armazéns são usados para operações de carga e descarga de navios, três estão cedidos a Secretaria de Estado da Cultura para abrigar o complexo turístico da Estação das Docas, um se transformou no Terminal Hidroviário e o restante está praticamente abandonado. O prejuízo estimado com a ociosidade é de R$ 12 milhões/ano.
Entrevista > Abraão Benassuly
O Terminal Hidroviário do Porto de Belém Luiz Rebelo Neto é administrado pela Companhia de Portos e Hidrovias do Estado do Pará (CPH), cujo diretor-presidente, Abraão Benassuly, é um entusiasta da obra que mudou a cara do transporte fluvial a partir da capital paraense. Nessa entrevista ele fala dos desafios de fazer em um ano e um mês uma obra que mexia com órgãos federais e precisava respeitar o patrimônio histórico e ao mesmo tempo oferecer conforto aos usuários.
Qual é a situação jurídica do Terminal Hidroviário de Belém do ponto de vista da administração entre Estado e União?
O porto organizado de Belém integra o organograma da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP). Ele é administrado aqui pela Companhia Docas do Pará (CDP). A CDP fez um convênio com o Governo do Estado e entregou à nossa administração, da CPH, o armazém 9, onde construímos o Terminal Hidroviário do Porto de Belém Luiz Rebelo Neto, um grande armador do nosso Estado. Por esse convênio nós instalamos e vamos gerir o terminal por 25 anos, renováveis por mais 25 anos. Aqui temos 4,8 mil metros quadrados de área, 2,4 mil metros quadrados apenas para o terminal e o restante para os órgãos intervenientes da atividade portuária. Era uma obra necessária, pois 50,3% dos municípios do Pará dependem, no todo ou em parte, do transporte por modal hidroviário. Aqui temos um fluxo de passageiros que varia de 1,4 mil a 2 mil por dia, com barcos atendendo comunidades próximas, na Ilha do Marajó, e a região do Baixo Amazonas e Manaus.
Como foi possível fazer uma obra complexa dessa num prazo relativamente curto?
Compromisso. O Terminal Hidroviário é sim uma obra complexa, mas integrava a agenda mínima de governo prometida pelo nosso governador Simão Jatene (PSDB). O compromisso foi assumido na campanha e foi executado. O governador fez uma obra que tem o mesmo nível de conforto e de operação do aeroporto de Belém (Val de Cans). Com ela combatemos os dois maiores problemas do Estado, a pobreza e a desigualdade social. O resultado é que o passageiro do transporte hidroviário é bem tratado e isso foi impactante, isso elevou a auto-estima do nosso povo.
No Amazonas, toda obra em área de interesse do patrimônio histórico vira uma dor de cabeça para o administrador. Como foi lidar com Ministério Público e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)?
Apresentamos o projeto, feito por um escritório da Universidade da Amazônia (Unama), ao Iphan e os técnicos entenderam que ele não descaracterizava o patrimônio. Toda a estrutura de ferro e aço foi mantida. O piso original de paralelepípedo que tínhamos dentro, e foi retirado para a elevação do nível do solo em 80 centímetros para evitar a invasão das águas da baía, foi todo reutilizado no estacionamento. Ele está presente também em partes da área interna. Não houve descaracterização e o Iphan entendeu que era uma obra boa para a cidade de Belém. No Ministério Público tive de ir uma vez e expliquei o projeto e também ficou claro que era algo bom para a cidade. Quem tentou um embargo foi o Ministério Público do Trabalho, mas também conseguimos mostrar a importância do terminal.
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