FONTE: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/festa-para-quem
Desde o início da República, os megaeventos internacionais transformam de forma radical as cidades brasileiras. Muito dinheiro é gasto e pouca melhoria é feita em benefício da população.
Alice Melo, Déborah Araújo, Fernanda Távora, Nashla Dahás, Ronaldo Pelli
- Desde o início da República, os megaeventos internacionais transformam de forma radical as cidades brasileiras que se dispõem a recebê-los. Grande quantidade de dinheiro público é investida e a população permanece como espectadora de um show articulado pelo poder público em prol de uma imagem positiva do país aos olhos do mundo. Justificada, algumas vezes, pela controversa ideia de avanço da civilização, a festa envolve um “sacrifício coletivo”, do qual sócios dos grandes grupos econômicos não partilham. O espetáculo passa, o prejuízo fica. Quem menos lucra neste jogo de interesses é a maioria dos cidadãos.
As cidades-sede não são e não se tornam hospitaleiras a seus próprios moradores, que lidam diariamente com infraestrutura precária de transportes, segurança, saneamento básico; e falta de investimento crônica em educação, saúde e lazer. Recentemente, algumas melhorias são exigidas pelas entidades internacionais ligadas a eventos esportivos, como COI e FIFA, mas dificilmente saem do papel. Quando o tempo urge, estes agentes (ligados a inúmeras ilegalidades) fazem vista grossa. E as necessidades reais da população não são atendidas. Exemplos não faltam: da Exposição Nacional de 1908 à Jornada Mundial da Juvetude, o retrato é quase o mesmo.Exposição Nacional de 1908Rio de Janeiro, agosto a novembro de 1908.Para comemorar o centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas, o governo realizou a Exposição Nacional de 1908. A ideia era demonstrar o grau de civilidade do país em um evento que expusesse os principais ramos da atividade nacional: agricultura, indústria, pecuária e artes liberais.Legado:Estados da Federação e Portugal construíram trinta edifícios em uma área aterrada de 182.000 m², o bairro da Urca. As obras do prédio da Universidade do Brasil foram concluídas, assim como as do novo reservatório, o Chateau d’eau, que bombeou água para chafarizes. A região ganhou postes com iluminação elétrica e um pequeno porto (hoje o Iate Clube do Rio de Janeiro).Custos:Os gastos foram divididos entre governos estaduais e federal. A União, o menor investidor, gastou 5.000:000$000 – cerca de 1% do orçamento anual. Grande quantidade de moradores pobres das regiões nobres foi expulsa para a periferia.Exposição Internacional do Centenário da Independência do BrasilRio de janeiro, 7 de setembro de 1922 a 7 de setembro de 1923.O ano de 1922 foi muito conturbado politica e socialmente. Para criar uma imagem de um Brasil moderno, Epitácio Pessoa inaugurou o maior evento republicano que a nação já vira. Grandes estandes expuseram produtos da indústria nacional e internacional. Ideia era demonstrar “beleza, cultura e progresso”.Legado:Foi inaugurado o Museu Histórico Nacional. O centro foi embelezado: houve a demolição do Morro do Castelo, aterro da praia de Santa Luzia, e uma nova cidade, erguida em um ano.Custos:Os gastos da União foram de 105.000:000$000. Em época de crise econômica, o investimento de vultosa quantia em festejo gerou insatisfação. Parte dos gastos foi em arquitetura efêmera. Centenas de famílias foram despejadas do Centro, migrando principalmente para a região portuária. A imprensa foi contra, mas ao receber dinheiro de publicidade estatal, mudou a postura.Copa do Mundo de futebol de 1950
Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Curitiba, Porto Alegre, de 24 de junho a 16 de julho de 1950.O Brasil foi escolhido como sede da Copa na ausência de concorrentes: a Europa estava arrasada após a Segunda Guerra. Diferentemente de hoje, o país-sede não tinha que cumprir uma série de exigências, mas apenas possuir estádios no padrão da Fifa. Houve, porém, grande debate sobre as prioridades dos nossos políticos.Legado: Talvez o único legado da Copa de 1950 tenha sido a construção do Maracanã, então maior estádio do mundo, que consumiu 95% do orçamento do evento. Das seis sedes, quatro já existiam e só passaram por reformas. Mesmo com todo o dinheiro destinado à festa, o Maracanã foi entregue apenas sete dias antes do primeiro jogo.Custos: A verba usada no Maracanã era pública. Segundo dados do livro 1950: O preço de uma Copa, o orçamento original do estádio era de 150 milhões de cruzeiros, mas a conta fechou, oficialmente, em 230 milhões de cruzeiros, algo em torno de R$ 410,3 milhões. Fifa e CBF não souberam dar informações sobre o assunto.IV Jogos Pan-americanosSão Paulo, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1963.A quarta edição dos Jogos Pan-americanos é até hoje vista como um momento de glória para a cidade de São Paulo. Participaram da competição 1.655 atletas de 22 países, competindo em 19 esportes. Para a satisfação dos paulistanos, o Brasil ficou em segundo lugar no quadro de medalhas.Legado: A Vila Pan-Americana, hoje Conjunto Residencial da USP (Crusp), além de reformas em outros equipamentos.Custos: Tanto o Arquivo Municipal como o Tribunal de Contas do Município não forneceram informações sobre o evento. Os jornais da época falam que o governador paulista Carvalho Pinto recorreu ao Ministério da Fazenda para a “liberação de 450 milhões de cruzeiros (algo como R$ 8,3 milhões) para complementar as verbas estaduais” destinadas à Vila Olímpica, e que o Comitê Organizador esperava conseguir uma verba de 40 milhões de cruzeiros (por volta de R$ 735 mil) com a prefeitura para a realização dos Jogos.1ª visita de João Paulo II
Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Recife, Salvador, Belém, Teresina e Fortaleza, 30 de junho a 12 de julho de 1980.Esta foi a primeira visita de um papa da Igreja Católica ao Brasil. Com um roteiro de 14 cidades em 12 dias, diversas instituições, comissões e órgãos do governo estiveram envolvidos na organização.Legado: Durante os preparativos para a viagem, o papa expressou o desejo de conhecer uma favela no Rio de Janeiro. Foi escolhida a favela do Vidigal, reconhecida pela grande resistência e vitória judicial da comunidade contra a tentativa de remoção dos moradores pelo governo do estado, em 1977.Custos: Gastos do poder público com preparativos organizados pelas arquidioceses de cada cidade. No Rio de Janeiro, governos estadual e municipal custearam a infraestrutura para a missa campal no Aterro do Flamengo. Em Fortaleza, foi construído com dinheiro público o “Altar da Eucaristia”, na Arena Castelão, para o evento de encerramento do X Congresso Eucarístico Nacional. Órgãos municipais e estaduais, além das arquidioceses, não souberam informar os valores corretos.2ªvisita de João Paulo IINatal, São Luís, Brasília, Goiânia, Cuiabá, Campo Grande, Florianópolis, Vitória, Maceió e Salvador, 12 a 21 de outubro de 1991.O roteiro de João Paulo II fugiu do eixo Rio-São Paulo e deu prioridade a capitais em pontos mais extremos do país. Reportagens da época destacaram a “frieza e pouco público” nos eventos religiosos, o que não atendeu às expectativas dos organizadores e das verbas utilizadas.Legado: Nenhum.Custos: Dinheiro da administração pública gasto com infraestrutura para missas e outros eventos religiosos, alguns em espaços públicos abertos. Órgãos municipais e estaduais, além das arquidioceses, não souberam informar os valores corretos.II Encontro Mundial do Santo Padre com as FamíliasRio de Janeiro, 2 a 6 de outubro de 1997.Em sua terceira e última visita ao Brasil, João Paulo II visitou apenas o Rio de Janeiro, cidade escolhida para sediar o II Encontro Mundial do Santo Padre com as Famílias. O evento foi um bom negócio para a Arquidiocese do Rio de Janeiro com a arrecadação de 10% de todos os produtos da visita papal vendidos por empresas licenciadas e kits vendidos para os “fiéis”.Legado: Reformas no Maracanã e reurbanização e iluminação das cercanias do Riocentro, na Barra da Tijuca, custeados pelo poder público para programações do II Encontro Mundial do Santo Padre com as Famílias.Custos: Estima-se que o as reformas no Maracanã, pagas pelo governo do estado, tenham custado R$ 1 milhão. Além de preparativos para os eventos religiosos, reportagens mostram que a prefeitura do Rio investiu R$ 600 mil para reformas de 15 igrejas católicas no caminho por onde o “papamóvel” passou.ECO-92
Rio de Janeiro, de 3 de junho a 14 de junho de 1992.A maior conferência já realizada até então para tratar do ambiente no mundo reuniu delegações de 178 países, com a presença de mais de 100 chefes de Estado ou governo, além de figuras de renome no cenário internacional. Foram realizados debates e assinados acordos, formalizando, entre outros temas, o conceito de desenvolvimento sustentável.Legado: Foi construída a Linha Vermelha, via que liga o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Zona Sul do Rio de Janeiro, e um conjunto habitacional para cerca de 800 famílias.Custos: A Linha Vermelha custou US$ 225 milhões, entre empréstimos ao BNDES, ao governo federal e recursos próprios do estado. As Forças Armadas foram chamadas para patrulhar as ruas e escolheram, como parte do esquema de segurança, deixar um canhão apontado em direção à favela da Rocinha. O esquema proporcionou uma sensação de segurança no “asfalto”, mas foi bastante criticada, por aumentar o estigma da população do “morro”. Para a construção da Linha Vermelha, cerca de 800 famílias foram removidas.Comemoração dos 500 anosSalvador, 22 de abril de 2000Uma série de comemorações, organizadas pelo então ministro dos Esportes e Turismo, Rafael Greca, marcaram o aniversário de 500 anos da chegada oficial dos portugueses a Brasil, em 22 de abril do ano de 2000. A intenção era relembrar essa passagem em Porto Seguro na Bahia.Legado: Uma nau.Custos: Durante a comemoração, índios e sem-terra apanharam da polícia quando tentaram entrar em Porto Seguro, palco das festividades. O estado da Bahia ainda foi condenado a pagar R$ 10 milhões ao Ministério Público por impedir a manifestação. Os gastos com a segurança no dia do evento chegam a mais de R$ 1 milhão.A nau capitania construída para o evento, a um custo de R$ 500 mil, passou por diversas falhas técnicas e teve que ser rebocada antes de chegar ao seu destino final.Visita do papa Bento XVISão Paulo, 9 a 13 de maio de 2007.Foi a única vez em que o papa Bento XVI veio Brasil antes de sua renúncia em 2013. O objetivo da presença do pontífice, além de promover uma aproximação com os católicos, era a abertura da Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho e a canonização de Frei Galvão, primeiro santo brasileiro.Legado: Nenhum.Custos: O governo de São Paulo investiu cerca de R$ 4 milhões nos preparativos para a chegada do papa e a cerimônia de canonização, que aconteceu no Campo de Marte.XV Jogos Pan-americanos
Rio de Janeiro, de 13 a 29 de julho de 2007.Os jogos foram apresentados como de interesse nacional: gerariam investimentos em infraestrutura e estimulariam a prática esportiva. Além disso, o “sonho” de realizar os Jogos Olímpicos passava pela organização do Pan.Legado: Crescimento dos investimentos no campo da construção civil, nas obras públicas, e transferência de recursos para a iniciativa privada, responsável pela construção das instalações. Valorização do Rio de Janeiro como vitrine internacional, principalmente do bairro da Barra da Tijuca. Construção e remodelamento de estruturas esportivas, como o Riocentro, o Estádio Olímpico João Havelange e o complexo do Maracanã, que passaria por nova reforma em 2010, para atender à Copa de 2014.Custos: Orçado em cerca de R$ 580 milhões, o Pan acabou se tornando o mais caro de toda história, aproximadamente R$ 3,7 bilhões. A prefeitura arcou com cerca de R$ 1,2 bilhão. O Tribunal de Contas da União ainda investiga possíveis superfaturamentos. No mês anterior, ocorreu o “apaziguamento” no Complexo do Alemão, com 19 pessoas mortas em operação da Polícia Militar. O então coronel do batalhão local chegou a afirmar que “a PM é o melhor inseticida social”.Jornada Mundial da JuventudeRio de Janeiro, 23 a 28 de julho de 2013.A primeira viagem do papa Francisco foi durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Foram cinco dias em que a cidade recebeu 3,7 milhões de pessoas. A intenção era mostrar que o município estava pronto para receber eventos de grande porte às vésperas da Copa e das Olimpíadas.Legado: Foram cinco dias de eventos marcados pela falta de estrutura e problemas nos transportes públicos da cidade. E houve a polêmica envolvendo o Campo da Fé, em Guaratiba. Escolhido para receber a vigília e a última missa da JMJ, o terreno no bairro da Zona Oeste do Rio ficou inutilizado devido às chuvas.Custos: Ao todo, a JMJ custou R$ 350 milhões, sendo R$ 118 milhões vindos de investimentos do recurso público (o governo federal, por exemplo, arcou com R$ 57 milhões). A dívida da JMJ de R$ 90 milhões, considerada “impagável” pelo Vaticano, até hoje não foi totalmente sanada.
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