Na ocasião, mascote da Copa foi desinflado.
Samir Oliveira
Quase cinco meses se passaram desde que centenas de jovens se reuniram em
frente à prefeitura de Porto Alegre para protestar contra a privatização dos
espaços públicos da cidade. O ato foi convocado pelo movimento Defesa Pública da
Alegria através das redes sociais e teve início na tarde do dia 4 de outubro de
2012.
O desfecho trágico que marcou o evento ocorreu no final da noite, quando os
manifestantes se dirigiram ao Largo Glênio Peres para cantar e dançar em volta
de um imenso mascote da Copa do Mundo de 2014, patrocinado pela Coca Cola, que
estava no local – um dos motivos do protesto era, também, a remoção de famílias
pobres para a execução de obras em função do evento esportivo. Na ocasião, cerca
de 20 policiais militares faziam a guarda do boneco e não impediram a
aproximação dos jovens. Entretanto, quando os manifestantes ultrapassaram a
grade de contenção do mascote, começou a ocorreu uma repressão física à atitude
dos integrantes do protesto – exacerbada pela chegada do batalhão de choque ao
local.
A partir desse momento, teve início uma espécie de batalha campal que contou
com bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha por parte da
polícia e algum revide por parte dos manifestantes, que se preocuparam em fugir
da perseguição. Pelo menos um jovem confessa ter reagido à agressão de um
policial e revidado os golpes, e há registro de uma viatura da Brigada Militar
com o para-brisa totalmente danificado.
O relatório da Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do
Sul ouviu mais de 60 manifestantes agredidos, coletou imagens das lesões e cenas
filmadas durante o protesto. O material foi finalizado no dia 31 de outubro e
entregue à Polícia Civil, ao Ministério Público, à Brigada Militar, ao
secretário Airton Michels (PT) e ao governador Tarso Genro (PT). A conclusão da
ouvidora Patrícia Couto foi de que a Brigada Militar e a Guarda Municipal haviam
iniciado as agressões.
O inquérito instaurado pela 17ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre já foi
concluído. Responsável pela investigação, o delegado Hilton Müller entende que
não foi possível identificar os agressores durante o protesto. Além disso, ele
foi a primeira autoridade pública a reconhecer que, ao contrário do que vinha
sendo divulgado, o mascote da Copa não havia sido depredado pelos ativistas.
Conforme noticiado à época em primeira mão pelo Sul21, o boneco
havia sido somente desinflado e encontrava-se em condição de ser utilizado
novamente.
Como ele está de férias, a reportagem conversou com sua substituta, a
delegada Carmen Régio. Ela afirmou que nenhuma vítima conseguiu identificar quem
foi seu agressor, tanto por parte dos policiais quanto dos manifestantes. Os
únicos indiciamentos judiciais resultantes do inquérito foram o de dois
manifestantes acusados de depredação do patrimônio público.
Além disso, há, ainda, um Inquérito Polícial-Militar (IPM) em andamento sendo
conduzido pelo Comando de Policiamento da Capital (CPC). A reportagem tentou
entrar em contato com o comandante do CPC, coronel Almir Freitas, mas não obteve
retorno.
Outros desdobramentos do caso ocorrem na Justiça. Alguns manifestantes
ingressaram com ações para reivindicar reparação por dano moral em função das
agressões infligidas pelos policiais. Dentre esses casos, está o do garçom que
trabalha no Chalé da Praça XV na noite do protesto. Sem nenhuma participação na
manifestação, ele foi agredido por mais de cinco policiais ao mesmo tempo ao
sair do trabalho.
Situação de soldado ferido gera polêmica e revolta entre
policiais
A maior polêmica recente envolvendo desdobramentos do protesto da Defesa
Pública da Alegria diz respeito ao caso do soldado Eriston Mateus de Moura
Santos, que foi agredido com um pedra ou paralelepípedo na cabeça. Na ocasião,
seu capacete quebrou com a pancada e ele levou oito pontos no couro
cabeludo.
Cerca de 40 dias após o confronto, o soldado começou a perder os movimentos
dos braços e pernas. Atualmente, ele se encontra internado em estado
praticamente vegetativo no Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre.
Essa situação levou uma série de policiais militares a condenar os
integrantes do movimento pelo estado do soldado. Através das redes sociais,
principalmente da página Fardados e Armados, no Facebook, os policiais não poupam
críticas e ameaças aos jovens, ao comando da Brigada Militar e ao governo
gaúcho. Parte da corporação diz que o soldado foi abandonado pelo comando da BM,
acrescentando que há uma movimentação política no sentido de ignorar a
situação.
Uma nota oficial da Brigada informa, entretanto, que a condição do soldado
Eriston não se deve à lesão que sofreu no dia do protesto. “O servidor apresenta
a doença denominada ENCEFALITE AUTOIMUNE e seu estado de saúde é grave. A doença
é causada a partir da produção de anticorpos pelo sistema autoimune do paciente,
acarretando danos ao seu próprio sistema nervoso central. A atual doença do
paciente não tem relação com o trauma que ele sofreu no episódio de ataque ao
boneco Tatu-Bola, no Centro de Porto Alegre, no início de outubro de 2012. Na
ocasião, o policial militar foi atingido por uma pedra em seu capacete e
encaminhado ao Hospital de Pronto Socorro, onde realizou exames de imagem e fez
a sutura de oito pontos no couro cabeludo. No mesmo local, foi avaliado pelo
médico de plantão da Brigada Militar e encaminhado ao Hospital da Brigada
Militar de Porto Alegre (HBM/PA), tendo sido submetido a exames de imagem, que
não evidenciaram lesões neurológicas”, explica a corporação.
A reportagem do Sul21 entrou em contato com o Hospital
Ernesto Dornelles para obter informações sobre o atual estado do paciente, mas a
assessoria da instituição disse que a família do soldado não autoriza a
liberação dos dados referentes à sua doença. Em uma reportagem enviada por um leitor ao portal Terra, há a
declaração de um neurologista que estaria atendendo o policial. “A suspeita é de
que se trate de uma doença autoimune chamada encefalite NMDA. A doença é
considerada bastante rara, e o exame, feito nos Estados Unidos, pode comprovar o
diagnóstico”, sustenta o neurologista Ricardo Fantin, de acordo com o texto.
Policiais ameaçam manifestantes através das redes
sociais
A comoção em torno do caso do soldado Eriston Mateus de Moura Santos gerou
revolta entre a comunidade policial. O jornal Correio Brigadiano, mantido por um
oficial da reserva, publicou, na edição de
janeiro deste ano, imagens fortes sobre o estado do policial.
Na página Fardados e Armados, que conta com mais de 15 mil adeptos no
Facebook, há um manifesto solicitando auxílio à família do soldado. Nessa
mesma postagens, centenas de policiais publicaram mensagens de ódio em relação
aos manifestantes do grupo Defesa Pública da Alegria e até mesmo contra o
governo do estado. Muitos chegaram a sugerir que, durante protestos em frente ao
Palácio Piratini, os brigadianos abandonem o posto e permitam a ocupação da sede
governamental.
Em resposta a um comentário feito pelo músico Ricardo Bordin, integrante do
movimento, um policial militar escreveu que “só seu esquartejamento me deixa
feliz”. Outro integrante da comunidade Fardados e Armados comentou que “seria um
prazer espancar cada um daqueles ‘estudantes’ vagabundos (…) na próxima tem que
se unir e destruir todos!!!”.
Ricardo assegura que outros integrantes do movimento também vêm recebendo
esse tipo de ameaça através de seus perfis no Facebook.
Nenhum comentário:
Postar um comentário