Outras Prefeituras de cidades-sede deverão também abdicar do seu Direito de Autoridade da cidade em favor da FIFA em 2014.
O Estado de S.Paulo
Durante a Copa do Mundo, entre 12 de junho e 13 de julho de 2014, a
Prefeitura de São Paulo abdicará de parte de sua autoridade sobre a cidade em
favor da Fifa. É o que se depreende do contrato que o prefeito Gilberto Kassab
assinou em setembro de 2011 com a entidade que governa o futebol mundial, para
definir as obrigações de São Paulo como uma das sedes da competição. O acordo só
foi divulgado no dia 6.
O documento foi tornado público por recomendação do Ministério Público
Federal, interessado na observância do princípio constitucional da ampla
publicidade de contratos firmados por entes públicos. Uma das cláusulas, a 33,
prevê justamente que as partes tudo fizessem para manter seu conteúdo sob
sigilo. "No bojo do contrato não há nenhuma situação a justificar possível
ressalva decorrente de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado", disse o procurador José Roberto Pimenta, do grupo do Ministério Público
que acompanha o uso das verbas federais na Copa.
O cuidado em não divulgar o conteúdo do documento parece se justificar quando
se observa o tamanho das concessões que São Paulo se viu obrigada a fazer. A
cláusula 22 prevê, por exemplo, que durante a competição a Prefeitura deverá, se
a Fifa julgar necessário, "fechar o acesso público a qualquer via dentro da
cidade-sede". Ou seja: a mobilidade urbana, cuja responsabilidade é do poder
público e afeta o cotidiano de toda a metrópole, poderá ser alterada ao
bel-prazer de uma entidade privada - ainda que a Fifa diga que só fará tal
pedido quando considerá-lo "razoável". Outra lei que será transformada em letra
morta durante a Copa será a Cidade Limpa. A cláusula 15 determina que "as
principais localidades por toda a cidade-sede (...) deverão apresentar
decorações que incorporem as marcas da competição". O item manda ainda que São
Paulo torne disponíveis os espaços para essa publicidade, citando
especificamente "postes de luz, faixas, outdoors, fachadas de edifícios, pontes
e meios de transporte público".
O contrato prevê também, na cláusula 30, que São Paulo, em dias de jogos, não
poderá receber nenhum outro evento cultural que atraia "grande número de
pessoas", salvo os patrocinados pela Fifa - o que arbitrariamente limita a vida
cultural da cidade. Além disso, a Fifa exige que a Prefeitura dê permissão para
que bares funcionem "até tarde da noite" em dias de jogos, o que pode contrariar
a Lei 12.879, segundo a qual esses estabelecimentos não podem ficar abertos após
a 1 hora. Há ainda, na cláusula 32, a exigência absurda de que a Prefeitura não
conceda autorização "para nenhum trabalho de construção privado ou público" no
período da Copa, e "qualquer construção que esteja em progresso no início da
competição deverá ser temporariamente suspensa".
A Fifa pede, na cláusula 18, que a Prefeitura providencie ao comitê
organizador um escritório com todos os equipamentos e produtos necessários para
seu funcionamento - e o poder público deve "usar de esforços razoáveis" para
comprar esse material de empresas patrocinadoras da Fifa. Ou seja: a Prefeitura
deve ignorar a Lei de Licitações e favorecer determinados fornecedores.
O contrato assinado por São Paulo é o mesmo que foi firmado pelas demais
cidades-sede, o que significa que a ingerência da Fifa é nacional. Tal
compromisso está no contexto do pacote de concessões que o governo federal
ofereceu para trazer a Copa e a Olimpíada de 2016 - incluindo visto de entrada
no País irrestrito a clientes da Fifa, fim da obrigatoriedade de mandado
judicial para apreender produtos suspeitos de pirataria e permissão para que o
organizador de grandes competições esportivas privadas conceda benefícios
fiscais, uma atribuição exclusiva da Receita Federal.
Não se discute a importância que a Copa do Mundo tem como evento mobilizador
de paixões e multiplicador de ganhos econômicos, e é claro que as cidades-sede
são privilegiadas por abrigar seus jogos. Mas isso não pode ser argumento para
que o poder público renuncie às suas obrigações e, no limite, contrarie a
lei.
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