José Cruz cobre as áreas de política, economia e legislação do esporte. Participou da cobertura de eventos esportivos internacionais nos últimos 20 anos.
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Por Eduardo Manhães
O poder público banca a construção de estádios condenados ao abandono em Brasília, Cuiabá e Manaus; banca outra reconstrução do Maracanã e, por meio do BNDES e do Banco do Brasil, banca também o Itaquerão. Enquanto isso, o Congresso Nacional discute a venda de bebidas alcoólicas e a meia-entrada. Não deixa de ser uma boa piada de Tiririca.
Ou seja, os partidos aproveitam a necessidade de o governo de votar a Lei Geral da Copa para negociarem novos cargos. É o governo contra a parede. Ou negocia ou não se vota nada. Na prática é só isso que acontece.
Na verdade, o que seria do mais alto interesse público já foi resolvido: quando o Brasil se candidatou à sede da Copa 2014, assinou “garantias”, dando “proteções à exploração de direitos comerciais”.
Diante das falsas polêmicas, o próprio Ministro do Esporte pontificou que o Congresso Nacional deve honrar os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro.
Enfim, embora a presidenta Dilma tenha resgatado a dignidade do Estado, não recebendo o Senhor Ricardo Teixeira e rebatendo com altivez as grosserias da FIFA, esse chute no traseiro nós e ela já levamos.
As “estranhas catedrais” decorrentes das “tenebrosas transações” já estão em curso. E a renúncia de Ricardo Teixeira pode, dentre outras coisas, também ser entendida como a oportuna saída de cena de quem, em razão de seu imenso, irrecuperável e justificado desgaste pessoal, apenas atrapalha a consumação de negócios cujas bases já estão todas acertadas.
Quando Romário disse que “vão roubar pelos cotovelos na Copa do Mundo”, só errou no tempo do verbo. Já foi “subtraída a pátria-mãe”.
Melhor seria antecipar a discussão dos Jogos Olímpicos para o traseiro não sofrer de novo. Pois Olimpíadas e Copa são eventos emblemáticos da estrutura esportiva internacional e do modo autocrático como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional operam - a despeito das legislações nacionais, da soberania dos estados e apartados dos interesses das instituições locais, dos clubes formadores dos atletas utilizados em seus espetáculos (negócios) e representativos e reprodutores das paixões que legitimam seus empreendimentos.
Seleção, o grande “negócio”
Em excelente entrevista concedida ao site “Carta Maior”, o ex-presidente do Palmeiras Luis Gonzaga Belluzzo explicou:
“Para entender o papel dele (Ricardo Teixeira) precisamos voltar no tempo, até a eleição de João Havelange na Fifa, em 1974, quando ele substituiu Stanley Rous. A partir dali houve uma mudança importante na administração do futebol, na relação com os patrocinadores. A direção do futebol deixou de ser feita de maneira amadora e se tornou um grande negócio, sobretudo para a área de marketing, que aproveitou o fato de o esporte ter se tornado uma impressionante manifestação de massa. Esse processo tomou corpo nos anos 80 e se acentuou nos 90“.
Em primeiro lugar, deve-se frisar que esse processo ocorre apesar de Ricardo Teixeira e não por causa dele. Mas é preciso destacar que do modo como as coisas foram conduzidas pela FIFA e pelas federações nacionais (a CBF, no nosso caso), esse grande negócio passou a ser a Seleção, suas competições e amistosos. Multiplicaram-se o número e os valores dos patrocínios direcionados às apresentações de seleções, que, aliás, passaram a ser várias (sub-20, sub-15, etc), bem como suas competições (torneios olímpicos, campeonatos mundiais das diversas categorias, copas continentais e das confederações). Sem falar nos amistosos.
O calendário que interessa é o dos selecionados.Tudo isso sem que os lucros sejam socializados com os clubes que formam e mantém os atletas. Situação que se agrava também pela apatia, pelo fisiologismo e pelas faltas de articulação e de perspectiva política dos dirigentes de clubes. Nas últimas décadas, portanto, Ricardo Teixeira e seus pares esmeraram-se em agravar a contradição que define a estrutura desportiva internacional: entidade rica e clube pobre.
Visto de um ponto de vista meramente tecnocrático, esse aumento de receita da CBF, advindo da exploração das seleções, é alardeado como demonstrativo de uma suposta competência gerencial de Ricardo Teixeira. O olhar da direita é assim, quantitativo. Por essa ótica, Pinochet e os generais do milagre econômico também foram competentes. A despeito da falta de transparência, do nepotismo da privatização imoral e patrimonialista dos lucros e da miséria das bases.
De um ponto de vista minimamente comprometida com a sociedade, com os clubes e com a formação de atletas, os 200 milhões que a CBF diz acumular, quando os clubes não conseguem sequer ficar em dia com a TIMEMANIA, são um escárnio. Uma demonstração inequívoca de descompromisso político e de incompetência gerencial. O olhar democrático é assim, qualitativo. Saber como é distribuída a riqueza acumulada, em que é reinvestida e que benefício social reproduz é fundamental para avaliar as administrações.
A organização da Copa do Mundo encarnação mais bem acabada do espírito privatista, autocrático e tecnocrático que domina as entidades esportivas e define suas estruturas.
Reduziram a atividade futebol ao negócio Seleção, pois o que interessa, o que está em jogo, literalmente, é o negócio. Não valem as leis do país, mas a lei da FIFA. É ela que impõe os seus instrumentos para que o “negócio” futebol prospere, a despeito das discussões e indignações da sociedade, como estamos vendo atualmente.
Mas já que é assim. Se o que importa é o negócio, e o negócio é a Seleção, pelo menos gastem milhões para oferecer ao selecionado brasileiro o que há de melhor. Contratem o Guardiola. Afinal, vendo o Barcelona jogar, a gente fica com a impressão que o “mano” da nossa gente é o Guardiola.
Eduardo Manhães é sociólogo; foi diretor-executivo do Departamento de Futebol do Flamengo e é autor de dois livros, “A Política de Esportes no Brasil” e “João Sem-Medo”.
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