RIO - A rápida e eficiente solução para o caso do vazamento de fotos pessoais da atriz Carolina Dieckmann — a Polícia Civil do Rio chegou, em pouco mais de uma semana, aos suspeitos — faz parecer que o cidadão brasileiro está muito bem servido de investigação se, um dia, for vítima de crime cometido via internet. Na vida real, casos semelhantes e sem repercussão alguma entram para um emaranhado obscuro feito de projetos, leis e poucas delegacias. Enquanto a Polícia Federal tem grupos especializados em desvendar crimes cujas armas são teclado e mouse, as polícias civis ainda são tímidas. Apenas seis estados e o Distrito Federal têm delegacias especializadas (Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais). Mesmo assim, nem todas essas delegacias funcionam para qualquer tipo de crime virtual. Moradores de outros estados, que, somados, têm mais de 10 milhões domicílios com computadores ligados à internet, precisam registrar tudo em delegacias comuns. E torcer por uma investigação competente.
Uma parte desse emaranhado é feita de legislações em vigor e em tramitação sobre o tema. Algumas sob fortes críticas, como o projeto de lei (PL) 84, de 1999, capitaneado pelo deputado federal e ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor de um substitutivo que criaria uma legislação específica para crimes virtuais. O projeto recebeu críticas por ter um texto amplo demais que resultaria em invasões de privacidade. Por outro lado, o Marco Civil da Internet, também em tramitação, trataria de direitos e deveres dos provedores, empresas e usuários da rede. Além disso, há iniciativas da sociedade civil em parceria com o poder público para o combate a crimes como a exploração sexual de crianças e adolescentes.
— O debate sobre legislação no Brasil assumiu contornos histéricos nos últimos dois, três anos. Há uma polarização grande entre grupos de interesse, e isso gera um efeito colateral que faz as pessoas acharem que a internet é terra sem lei. Isso é mito. Eu diria que 95% dos crimes na rede já estão previstos em lei ou estão na reforma do Código Penal. Já os crimes mais comuns, como calúnia, injúria, difamação, estelionato e ameaça estão capitulados no Código Penal. São crimes comuns praticados por um meio novo. Não cabe ao legislador definir o meio pelo qual o crime é praticado. A falta de legislação é muitas vezes usada para justificar a falta de estrutura, que é nossa questão central. Se a Carolina Dieckmann fosse paulistana, não teria delegacia especializada para registrar o boletim de ocorrência — afirma Thiago Tavares, diretor presidente da ONG SaferNet Brasil, de promoção dos direitos humanos na internet.
Tavares fez referência à antiga Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos, de São Paulo, que deixou de existir neste ano. Hoje há apenas uma DP que investiga fraudes financeiras pela internet. Crimes contra a pessoa, como calúnia, passaram a ser direcionados para delegacias comuns.
— Leis nós temos. A 11.829 (que trata de crimes sexuais na internet, aprovada em 2008) teve um impacto tremendo. A PF fez muitas prisões, mas só pode investigar crimes específicos. Não faz atendimento para o cidadão — sustenta Tavares, que completa: — É a polícia civil que está no balcão, nos casos cotidianos como chantagem e cyberbullying.
Criada em 2000, no Centro do Rio, a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) foi a responsável por investigar e identificar os criminosos que espalharam as fotos pessoais de Carolina Dieckmann nua. A estrutura, diz um policial com experiência na área de informática, é enxuta:
— Acredito que três ou quatro técnicos façam o trabalho de investigação. O ideal é que eles usassem máquinas independentes, com acesso externo à rede da polícia, que às vezes tem sistema lento. Também seria melhor se houvesse treinamento constante. Poderiam inscrever esses investigadores nos melhores cursos do país. Outro problema é o retorno das solicitações feitas aos provedores de internet, que demoram muito a responder. Alguns ficam fora do país.
Até o fechamento desta edição, a Polícia Civil não havia respondido à solicitação para que informasse sobre estrutura e funcionamento da DRCI.
Dados exclusivos da SaferNet, que recebe denúncias e as envia para provedores e autoridades públicas, mostram que o número de denúncias vem aumentando, e a resposta dos provedores para retirar materiais ilegais do ar, mais ainda. Em março deste ano, foram denunciadas ao site da ONG 4.147 páginas, contra 3.893 do mesmo período de 2011, um crescimento de 6,5%. O número de páginas removidas cresceu mais: de 449, em março do ano passado, para 631 neste ano, 40% a mais. Todas as páginas foram removidas voluntariamente pelos provedores a partir da notificação da SaferNet. Desde janeiro de 2006, a ONG estima que os provedores denunciados já retiraram mais de cem mil páginas.
Para que os deveres dos provedores sejam cada vez mais claros, o Marco Civil pretende criar normas para a guarda de logs — registros de quando e onde um determinado computador acessou a internet. É o que diz o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator da comissão especial da Câmara que analisa o Marco.
— Estamos debatendo no Brasil a guarda de logs de conexão e o prazo pelo qual eles deverão ser arquivados. Esse debate importa à discussão sobre segurança na internet. É fundamental que se tenha o registro dos logs durante um certo tempo. Segundo a Polícia Federal, essa informação é crucial para a percepção de crimes. A proposta é que eles guardem por um ano. O Marco Civil regularia isso.
Molon ressalta que pretende assegurar o anonimato de navegação, garantindo que o usuário de internet tenha a liberdade de navegar pelo site que quiser sem que alguém controle seus passos. A guarda do log seria preventiva, caso exista alguma investigação dentro do período de um ano. A comissão vai produzir um parecer sobre o Marco Civil, que depois irá diretamente para o Plenário da Câmara. Posteriormente, o projeto será enviado ao Senado. Molon acredita que o texto vire lei ainda em 2012.
Em 2009, 67,9 milhões de pessoas com 10 anos de idade ou mais declararam à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) ter usado a internet, um crescimento de 21,5% em relação a 2008 (55,9 milhões). Esse número já deve ter passado dos 80 milhões, segundo estimativas do mercado. O Censo 2010 informa que, hoje, dos 57,3 milhões de domicílios particulares do Brasil, 17,6 milhões têm computador com acesso à internet (30,7%).
Para Carlos Affonso Pereira de Souza, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV), é melhor disciplinar antes para criar punições depois.
— É ruim para um país começar a regulação pelo aspecto criminal. O Marco Civil não é isso. Casos como o da Carolina Dieckmann mostram como é importante que as pessoas e os provedores saibam quais são seus direitos fundamentais na internet e suas responsabilidades.
Uma parte desse emaranhado é feita de legislações em vigor e em tramitação sobre o tema. Algumas sob fortes críticas, como o projeto de lei (PL) 84, de 1999, capitaneado pelo deputado federal e ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor de um substitutivo que criaria uma legislação específica para crimes virtuais. O projeto recebeu críticas por ter um texto amplo demais que resultaria em invasões de privacidade. Por outro lado, o Marco Civil da Internet, também em tramitação, trataria de direitos e deveres dos provedores, empresas e usuários da rede. Além disso, há iniciativas da sociedade civil em parceria com o poder público para o combate a crimes como a exploração sexual de crianças e adolescentes.
— O debate sobre legislação no Brasil assumiu contornos histéricos nos últimos dois, três anos. Há uma polarização grande entre grupos de interesse, e isso gera um efeito colateral que faz as pessoas acharem que a internet é terra sem lei. Isso é mito. Eu diria que 95% dos crimes na rede já estão previstos em lei ou estão na reforma do Código Penal. Já os crimes mais comuns, como calúnia, injúria, difamação, estelionato e ameaça estão capitulados no Código Penal. São crimes comuns praticados por um meio novo. Não cabe ao legislador definir o meio pelo qual o crime é praticado. A falta de legislação é muitas vezes usada para justificar a falta de estrutura, que é nossa questão central. Se a Carolina Dieckmann fosse paulistana, não teria delegacia especializada para registrar o boletim de ocorrência — afirma Thiago Tavares, diretor presidente da ONG SaferNet Brasil, de promoção dos direitos humanos na internet.
Tavares fez referência à antiga Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos, de São Paulo, que deixou de existir neste ano. Hoje há apenas uma DP que investiga fraudes financeiras pela internet. Crimes contra a pessoa, como calúnia, passaram a ser direcionados para delegacias comuns.
— Leis nós temos. A 11.829 (que trata de crimes sexuais na internet, aprovada em 2008) teve um impacto tremendo. A PF fez muitas prisões, mas só pode investigar crimes específicos. Não faz atendimento para o cidadão — sustenta Tavares, que completa: — É a polícia civil que está no balcão, nos casos cotidianos como chantagem e cyberbullying.
Criada em 2000, no Centro do Rio, a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) foi a responsável por investigar e identificar os criminosos que espalharam as fotos pessoais de Carolina Dieckmann nua. A estrutura, diz um policial com experiência na área de informática, é enxuta:
— Acredito que três ou quatro técnicos façam o trabalho de investigação. O ideal é que eles usassem máquinas independentes, com acesso externo à rede da polícia, que às vezes tem sistema lento. Também seria melhor se houvesse treinamento constante. Poderiam inscrever esses investigadores nos melhores cursos do país. Outro problema é o retorno das solicitações feitas aos provedores de internet, que demoram muito a responder. Alguns ficam fora do país.
Até o fechamento desta edição, a Polícia Civil não havia respondido à solicitação para que informasse sobre estrutura e funcionamento da DRCI.
Dados exclusivos da SaferNet, que recebe denúncias e as envia para provedores e autoridades públicas, mostram que o número de denúncias vem aumentando, e a resposta dos provedores para retirar materiais ilegais do ar, mais ainda. Em março deste ano, foram denunciadas ao site da ONG 4.147 páginas, contra 3.893 do mesmo período de 2011, um crescimento de 6,5%. O número de páginas removidas cresceu mais: de 449, em março do ano passado, para 631 neste ano, 40% a mais. Todas as páginas foram removidas voluntariamente pelos provedores a partir da notificação da SaferNet. Desde janeiro de 2006, a ONG estima que os provedores denunciados já retiraram mais de cem mil páginas.
Para que os deveres dos provedores sejam cada vez mais claros, o Marco Civil pretende criar normas para a guarda de logs — registros de quando e onde um determinado computador acessou a internet. É o que diz o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator da comissão especial da Câmara que analisa o Marco.
— Estamos debatendo no Brasil a guarda de logs de conexão e o prazo pelo qual eles deverão ser arquivados. Esse debate importa à discussão sobre segurança na internet. É fundamental que se tenha o registro dos logs durante um certo tempo. Segundo a Polícia Federal, essa informação é crucial para a percepção de crimes. A proposta é que eles guardem por um ano. O Marco Civil regularia isso.
Molon ressalta que pretende assegurar o anonimato de navegação, garantindo que o usuário de internet tenha a liberdade de navegar pelo site que quiser sem que alguém controle seus passos. A guarda do log seria preventiva, caso exista alguma investigação dentro do período de um ano. A comissão vai produzir um parecer sobre o Marco Civil, que depois irá diretamente para o Plenário da Câmara. Posteriormente, o projeto será enviado ao Senado. Molon acredita que o texto vire lei ainda em 2012.
Em 2009, 67,9 milhões de pessoas com 10 anos de idade ou mais declararam à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) ter usado a internet, um crescimento de 21,5% em relação a 2008 (55,9 milhões). Esse número já deve ter passado dos 80 milhões, segundo estimativas do mercado. O Censo 2010 informa que, hoje, dos 57,3 milhões de domicílios particulares do Brasil, 17,6 milhões têm computador com acesso à internet (30,7%).
Para Carlos Affonso Pereira de Souza, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV), é melhor disciplinar antes para criar punições depois.
— É ruim para um país começar a regulação pelo aspecto criminal. O Marco Civil não é isso. Casos como o da Carolina Dieckmann mostram como é importante que as pessoas e os provedores saibam quais são seus direitos fundamentais na internet e suas responsabilidades.
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