Na candidatura da Rio 2016, documento dizia que evento serviria para garantir legado ao esporte
"Legado sustentável para o esporte"
No dossiê de candidatura do Brasil aos Jogos Olímpicos de 2016, documento público enviado em 2009 ao Comitê Olímpico Internacional (COI), assinado por Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e João Havelange, membro decano do COB, consta que a Olimpíada garantiria para o país "um legado sustentável para o esporte".
Em outro trecho do mesmo documento, assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula, o governador do Rio, Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes e o mesmo Nuzman, colocava-se que a candidatura Rio 2016 era "um projeto coeso e integrado, movido pelo esporte". Mais adiante, as mesmas autoridades alegaram ter aprendido muito com a "realização bem-sucedida dos jogos Pan-americanos e Parapan-americanos Rio 2007, e nos beneficiamos do legado físico desses jogos, infraestrutura e novas instalações do evento".
No documento enviado ao COI, consta também que "todos os investimentos servirão para gerar legados substanciais, tangíveis e significativos para a população do Rio e do Brasil e são alinhados com nossos planos de desenvolvimento a longo prazo".
Em momento algum, porém, previa-se a demolição dos dois complexos esportivos situados junto ao Maracanã. Ela só começa a ser aventada quando surge a proposta de entregar à iniciativa privada a exploração do novo estádio.
Qualidade que o Rio merece
Segundo informou o governo do estado, em nota ao Jornal do Brasil, o objetivo de transformar o estádio um grande centro de entretenimento fez com que o estado precisasse "contratar uma empresa com reconhecida experiência na gestão de estádios, capaz de manter o Maracanã em um alto padrão de qualidade que a população do Rio de Janeiro e seus visitantes merecem".
O comunicado também afirma que, "após estudos, o governo concluiu que não seria possível fazer a concessão antes da reforma do estádio". Ao perceber os gastos com manutenção e demais intervenções necessárias, "o estado decidiu entregar a administração do complexo à iniciativa privada, que deverá realizar uma série de investimentos (que totalizarão R$ 469 milhões)".
Ou seja, a reforma está sendo sustentada com dinheiro público para depois se entregar a administração do estádio à iniciativa privada em nome de alguns investimentos a serem feitos, tais como a modernização do ginásio do Maracanãzinho, a construção e a operação do Museu do Futebol, a instalação e a operação de estacionamentos, além da criação de uma área com bares, restaurantes e lojas, incluindo a infraestrutura de iluminação, pavimentação e drenagem. Todos, portanto, irão gerar recursos a quem o explorar, assim como o próprio Maracanã.
Pelos planos do governo, neste mês de dezembro será lançado ao edital de licitação da exploração por 35 anos do complexo do Novo Maracanã. As especulações apontam que um dos principais candidatos será a o mega empresário Eike Batista, através da empresa IMX. O mesmo Eike que sustenta projetos como o das UPPs e também emprestou avião para a viagem a lazer do governador Sérgio Cabral.
"Destruição criativa"
A construção desta área de entretenimento no Maracanã é que está provocando a demolição dos complexos esportivos, do antigo Museu do Índio e da escola municipal Friendenreich. Oficialmente, porém, o governo explica a demolição como a necessidade de criar uma área de escoamento do público que garanta a acessibilidade do público. Ideia que é contestada tecnicamente por quem lida com a questão profissionalmente.
Segundo Christopher Gaffney, professor visitante de Arquitetura da UFF e pesquisador do Maracanã desde 2004, as demandas a que se referem o governo sobre escoamento de pessoas serviria apenas para esvaziar todo o estádio em oito minutos, com todos os presentes caminhando na mesma direção.
“A própria ideia de uma arena multiuso é que as pessoas ficassem no estádio por mais tempo. Eles contradizem sua própria lógica. Esse escoamento é para esvaziar o estádio em oito minutos e caso as pessoas fossem todas na mesma direção, mas não são todos que usam o metrô e o trem”, ponderou.
Gaffney também analisou que, ao mesmo tempo, não foram feitos investimentos para ampliar a capacidade do sistema de transporte ferroviária na região, que conta com a estação Maracanã apenas. Com isso, os torcedores sairiam rapidamente do estádio, mas se afunilariam nos acessos aos transportes públicos. “Se tivessem uma lógica sólida, fariam uma reestruturação urbana mais geral. O raciocínio não faz sentido”, completou.
O professor também chamou a atenção para o fato de o Brasil ser o único país-sede da Copa do Mundo que está destruindo empreendimentos esportivos para construir empreendimentos de entretenimento. “A marca deste projeto é a falta de criatividade. A única lógica é a da destruição criativa”, disparou.
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