PROJETOS DA COPA 2014 EM MANAUS

PROJETOS DA COPA 2014 EM MANAUS

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O ESTADO DO AMAZONAS PODE REGISTRAR O PRIMEIRO CASO DE OBRAS SEM ADITIVO NO PAÍS.

FONTE: http://omalfazejo2.wordpress.com/2012/04/27/obrasemaditivo/

por Ismael Benigno

Antes de mais nada, acredito no governador Omar Aziz (PSD). Primeiro, porque pra mim governante fala a verdade, por dever do ofício. Há algo mais óbvio do que enxergar autoridade numa autoridade? Depois, bem, depois não tem, é só por isso mesmo.

Dito isto, um raciocínio lógico. Se Omar ficou indignado, revoltado, admirado, chocado e decidiu ‘jogar pesado’ contra a demoníaca Andrade Gutierrez, como nos fez crer a grande imprensa manauara durante a semana, há algo de errado dentro do seu governo. Mais exatamente ali, na Secretaria de Infra-Estrutura (Seinfra), comandada por Waldívia Alencar, remanescente do governo Eduardo Braga (PMDB) – herança que significa absolutamente nada. A guerra de bastidores entre assessores de Braga e Omar é deles, a gente só assiste.

É do órgão comandado por Waldívia que saíram os argumentos enviados ao Tribunal de Contas da União (TCU) para o aumento dos valores da obra da Arena Amazônia, onde o tribunal – de novo – disse haver um superfaturamentozinho, dessa vez de R$ 86 milhões. Chamada a explicar aquilo, a Seinfra disse ter corrigido as irregularidades anteriores, mas mesmo assim ainda apresentou um orçamento com sobrepreço de R$ 37.822.995,26.

O TCU apontou que o Contrato 44/2010, firmado com a Construtora Andrade Gutierrez, sofrerá acréscimos da ordem de 69% do valor inicial do contrato. Isso significa mais R$ 343 milhões, além do valor inicial da obra, de R$ 499.508.704,17. Ocorre que a defesa do aumento do preço da obra não é feita pela empreiteira. Quem alega que os aditivos deveriam ser aceitos é a Seinfra, citando para isso decisões anteriores do TCU, que em tese abririam a brecha para que o valor da Arena fosse aumentado.

Enquanto o governador bravejava na imprensa, a Seinfra defendia os valores pedidos pela empreiteira. O relatório cita os pontos da defesa: 1) O tal aditivo não estava formalizado, portanto não poderia ser considerado abusivo. 2) O TCU já havia permitido aditivos do mesmo tipo, em obras do DNIT, em 2011 (quem diria…) e 3) A metodologia histórica de cálculo, empregada pelo TCU, liberaria o aditivão.

Não custa repetir: Não é a Andrade Gutierrez se defendendo perante o TCU. É a Seinfra, justificando um aumento de quase 70% no valor da Arena Amazônia.

O TCU não aceitou nenhuma das alegações do órgão. Concordou que não havia aditivo formal, e por isso falou em contrato verbal, o que seria ainda mais grave. Disse que o caso do DNIT era diferente, tinha outro contexto, e não poderia servir de desculpa. Pra terminar, o TCU diz que sobrepreços absurdos em alguns itens não podem ser compensados por preços diminuídos em outros. A Seinfra alegava que o cálculo deveria levar em conta acréscimos e supressões. “A gente tirou daqui pra deixar do jeito que estava ali”, em miúdos.

No item ‘Administração local’, onde são medidos os custos de mão de obra e benefícios aos operários, o TCU identificou algo estranho. Diz o relatório, na página 39:

(…)há um inexplicável aumento do preço licitado e contratado de R$ 53,982 milhões para o item 4.1 – Administração local. O orçamento do projeto executivo apresentado pela Seinf/AM suprime completamente o item 4.1 e inclui um novo serviço, 4.2, denominado “Administração Local – projeto executivo”, no valor de R$ 60,131 milhões. Não se vislumbra nenhuma justificativa técnica para esse aumento, pois os aspectos que poderiam ensejar o aumento da administração local (escopo do contrato e prazo da obra) não foram alterados. O prazo contratual é o mesmo, até porque se trata de uma obra da Copa de 2014. O escopo não sofreu alterações relevantes. O aumento do quantitativo da estrutura metálica corrigiu um mero “erro” na estimativa de quantitativo, mas não alterou o objeto em suas características e dimensões. Ao contrário, outros itens de serviço tiveram redução de escopo, como é o caso do número de assentos, que foi reduzido em mais de três mil unidades, ou o caso do sistema de ar condicionado, cuja capacidade de refrigeração foi reduzida de 1.000 TR para apenas 650 TR. Por exigência da FIFA, houve um aumento do volume de terraplanagem, mas tal alteração de projeto não causou um maior esforço de administração local relevante. Ante o exposto, considera-se não haver fundamento legal para o acréscimo pretendido na Administração Local.

Subcontratação ilegal
Como se fosse pouco, O TCU constatou que o Consórcio Gutierrez/Enarq subcontratou a empresa autora do projeto básico, a Techne, para executar o projeto executivo e o gerenciamento da obra da Arena Amazônia, restando caracterizada ofensa ao art. 9º da Lei de Licitações. E implicando em possíveis privilégios obtidos no certame, pois não há como se afirmar acerca da igualdade de condições dos participantes, em razão da subcontratação posteriormente levada a efeito pelo consórcio vencedor.

Empresas que participaram da confecção do projeto básico da Arena, aquele a partir do qual as empreiteiras fazem suas propostas na licitação, foram contratadas pela empresa que venceu a licitação. É como se, depois de ouvir um conselho de um amigo e comprasse determinado carro, você descobrisse que ele é vendedor daquela loja e ganhou comissão sobre a sua compra. O problema, porém, é mais sério e está inclusive previsto numa lei de 1993, a tal 8.666.

A Seinfra justificou, alegou, argumentou, explicou, mas não convenceu o TCU das boas intenções das empreiteiras, coitadas. Nem dizer que elas foram contratadas por sua ‘incontestável expertise’ colou. E nesse ponto específico, o relator do caso, o procurador Valmir Campelo, foi até grosseiro:

“(…) causa estranheza tal subcontratação ter sido autorizada pelo Governo do Estado do Amazonas, especialmente sob o argumento de que: as empresas subcontratadas possuem plena capacidade de detalhar o Projeto Básico e elaborar o Projeto Executivo e, por sua incontestável expertise na área, serão capazes de adotar soluções precisas, com a qualidade que um empreendimento deste vulto e complexidade exigem e, sobretudo, compatíveis com o exíguo cronograma das obras (peça 141, p.8).

(…)Observa-se que foram constatadas diversas alterações no projeto básico, várias delas decorrentes da necessidade de correções, ajustes e otimizações (por exemplo, nos itens relativos a estruturas metálicas, ar condicionado, membrana têxtil etc.).
Como bem salientou a CGU: “Estranha-se que, neste momento, essas empresas tenham retificado as quantidades previstas inicialmente no projeto básico de forma a pleitear aditivos contratuais da ordem de R$ 75 milhões”.

(…) Em suma, num primeiro momento, as empresas produzem um projeto básico com diversas falhas e necessidades de otimizações. Em seguida, em vez de serem sancionadas em função de tais deficiências, elas são subcontratadas para propor correções nos próprios projetos e ainda sob o argumento de sua “incontestável expertise”.”

O problema foi o calor
O sistema de ar-condicionado da Arena começou custando R$ 20 milhões. Previa cinco máquinas que, juntas, somavam 1.000 TR’s. Como mágica, esse valor aumentou quase R$ 1 milhão ao chegar no projeto executivo da obra, com um detalhe: a capacidade havia diminuído de 1.000 TR’s para 652 TR’s. Sobre isso, disse o TCU: “Não há justificativa técnica ou jurídica para a elevação do preço do sistema de climatização. Ao contrário, seria de se esperar que tivesse ocorrido uma expressiva redução no custo global do sistema.

A Arena Amazônia é objeto de auditorias do TCU desde 2010. A primeira análise, feita em 80% do orçamento da obra, havia identificado ‘sobrepreço’ (é superfaturamento, mas a palavra é muito grande, então a moda agora no Brasil é ‘sobrepreço’) de R$ 114,9 milhões nos materiais.
Vá direto à fonte e leia o relatório completo do TCU sobre os problemas nas obras da Arena Amazônia.

O documento tem 143 páginas, material capaz de indignar ainda mais o governador Omar Aziz, que diz que não vai pagar à Construtora Andrade Gutierrez um centavo a mais pela construção da Arena Amazônia. Cabe então perguntar a qual valor o governador se refere: aos R$ 499,5 milhões inicialmente contratados ou aos R$ 529 milhões que, segundo ele, foi o preço adotado pelo TCU.
O saldo da pendenga é que, mesmo aguardando decisões sobre parte do financiamento de R$ 400 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo do Amazonas já pagou R$ 118.352.759,01 e empenhou (valores a serem pagos este ano) R$ 294.802.636,97 para a construtora Andrade Gutierrez, pela obra da Arena da Amazônia. A soma dos pagamentos e empenhos é de R$ 413.155.395,98.

Seria natural, a essa altura, perguntar o que vai acontecer com a única obra que o Amazonas foi capaz de começar para a Copa de 2014.

Quanto papel foi gasto no oba-oba da computação gráfica da Copa no Amazonas?

Esqueça a rede hoteleira, os garçons e vendedores bilíngues. Esqueça as calçadas refeitas, o asfalto novo. Esqueça as empresas que viriam atrás da Copa. Os investidores privados que bancariam a conta. Esqueça a revitalização da cidade, a reconstrução de portos, os mirantes, os fun parks, os trens deslizando sobre os monotrilhos acima da sua cabeça. Esqueça os sistemas inteligentes de trânsito, a integração entre os BRT, os ônibus com faixa exclusiva, e o monotrilho. Esqueça o monte de maquetes que você viu na capa dos jornais, com BMW’s na Eduardo Ribeiro, gente bonita na Praça da Matriz, calçadas limpas na Sete de Setembro. Esqueça tudo isso.

Este legado não existe e, como eu sempre disse, não existirá.

Pense apenas na Arena. Como diz o governador, com toda a razão, o importante é ela, senão não há jogo de copa. Pelas informações de nossa aguerrida e crítica imprensa esta semana, “Omar endureceu com a Andrade Gutierrez”.

Eu disse no início do texto, repito agora: acredito no governador. E é por isso que fico apreensivo. Porque se ele resolveu endurecer com a empreiteira e resolveu defender, com unhas e dentes, o dinheiro público, a obra vai parar. Se a obra parar, danou-se. Ficamos sem a única coisa de teremos para lembrar da copa em 2093, a Arena, imponente no horizonte, onde deverão ser feitos mega-feirões de carros voadores nos finais de semana.

O que eu não entendo é como a Seinfra, órgão vital do governo e responsável pelas maiores obras de que o Amazonas tem notícia em sua história, foi diametralmente contrária ao governador, não apenas aceitando o aumento do preço na obra da Arena, como defendendo esse aumento diante dos órgãos ficalizadores.

Quando diz achar uma graça que empresas sejam contratadas por sua expetise para corrigir suas próprias falhas, Valmir Campelo dá a direção de quem deve se pronunciar sobre a presepada:

(…) Por fim, é oportuno dar ciência ao Tribunal de Contas do Amazonas a respeito das irregularidades relativas à extrapolação dos limites de aditamento contratual e à subcontratação do autor do projeto básico para elaboração do projeto executivo.

O tal ‘Tribunal de Contas do Estado do Amazonas’, citado acima pelo relator, é um órgão situado na Avenida Ephigênio Salles, conhecido popularmente como TCE. Ali dentro há alguns senhores e senhoras que vem se destacando em iniciativas ambientais, como nas visitas a lixões do interior — e claro, nas viagens a Nova Iorque, exatamente para falar sobre esses lixões. Em março, enquanto os técnicos do TCU e Valmir Campelo produziam um detalhado documento de 143 páginas, com tabelas, cálculos e planilhas, Júlio Pinheiro estava na ONU, falando sobre o lixo amazonense.

Assim que a ONU parar de convidar nossos conselheiros para falar de meio ambiente em Nova Iorque, poderemos ter mais notícias sobre o superfaturamentozinho pedido pelas empreiteiras e sobre a amizadezinha entre elas, porque é destas três letrinhas (TCE) a responsabilidade por identificar e evitar que o governador, seja quem ele for, precise ficar indignado, revoltado, admirado e chocado com documentos que caem como bombas, vindos de órgãos de controle em Brasília.
Em tempo: Há um selo, intitulado “Eu visitei a Arena Amazônia”, para quem vai ao local das obras. Fica a dica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário