Raika Julie Moisés e Silvana Bahia
“As remoções devem ser a última alternativa do poder público para a
efetivação de um projeto de urbanização onde há, de fato, a participação da
comunidade. O projeto da cidade-mercado subordina o Estado e os direitos humanos
aos interesses econômicos”, defende o professor do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), Orlando dos Santos Júnior. Nesta
entrevista para o Notícias &Análises, Orlando fala sobre a verticalização
das favelas cariocas, remoções, do direito à moradia, da regulação pública do
solo e da gestão democrática da cidade.
“As remoções devem ser a última alternativa do poder público para a efetivação de um projeto de urbanização onde há, de fato, a participação da comunidade", diz Orlando Santos Júnior (IPPUR/UFRJ). Foto: Arquivo Pessoal
Notícias&Análises: Nos
últimos dois anos, os espaços populares – antes evidenciados, maiormente, por
questões referentes à violência e operações policiais, agora se destacam pela
violação do direito à moradia. Remoções, megaeventos, especulação imobiliária,
entre outros, são temas que permeiam o cotidiano da população oriunda destes
locais. Que análises/considerações podem sobre estes temas no que se refere à
cidade do Rio de Janeiro?
Orlando dos Santos Júnior:
No caso do Rio
de Janeiro, as remoções tal como estão acontecendo na cidade caracterizam-se
pela violação desse direito. Por exemplo, as remoções não estão sendo discutidas
com as famílias atingidas como determina o Estatuto das Cidades. O que nós vemos
acontecer são obras de intervenção urbana sem o mínimo debate e participação das
comunidades afetadas. Em segundo lugar, as remoções no Rio não respeitam
direitos fundamentais do processo civil – há casos em que se determina o despejo
em 24 horas. E o terceiro ponto é que o poder público não tem respeitado o
direito da moradia propriamente dito, ou seja, o direito de uma moradia digna
cujo conceito não se refere a ter quatro paredes, mas também garantir condições
dignas de reprodução social.
N&A: Mais de 19 mil famílias foram reassentadas desde janeiro de 2009, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação, no entanto segundo os dados do IBGE 2010 houve um aumento de 27,5% dos chamados aglomerados subnormais. A população da favela cresceu. Qual a relação desse crescimento populacional com a verticalização das construções?
N&A: Mais de 19 mil famílias foram reassentadas desde janeiro de 2009, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação, no entanto segundo os dados do IBGE 2010 houve um aumento de 27,5% dos chamados aglomerados subnormais. A população da favela cresceu. Qual a relação desse crescimento populacional com a verticalização das construções?
OSJ: O tamanho das favelas reduziu horizontalmente e a
população cresceu. O crescimento da população favelada expressa essa
verticalização. Porém a causa do crescimento populacional não tem a ver com a
verticalização. A causa para esse crescimento continua sendo o fato das favelas
ainda se constituírem em territórios parcialmente desmercatilizados. A maior
parte das favelas ainda está em solos irregulares. O crescimento das favelas tem
como causa primeira o mercado imobiliário, porque ele impede que parte da
população acesse sua moradia através do mercado formal e a favela se torna uma
alternativa. Mesmo reduzindo o espaço físico das favelas, resta ainda a
alternativa de verticalizar.
N&A: Embora os dados do IBGE mostrem que a população das favelas cariocas tenha crescido em 27,5%, entre os anos 2000 e 2010, o Instituto Pereira Passos (IPP), tomando como base levantamento aerofotogramétrico (fotos tiradas de avião), informou que algumas favelas estão desaparecendo. O objetivo da prefeitura é fechar o ano com até 3,5% a menos de favelas. Até 2016, a meta é reduzir em 5% a área ocupada por comunidades. Ações como esta evidenciam violações de direitos?
N&A: Embora os dados do IBGE mostrem que a população das favelas cariocas tenha crescido em 27,5%, entre os anos 2000 e 2010, o Instituto Pereira Passos (IPP), tomando como base levantamento aerofotogramétrico (fotos tiradas de avião), informou que algumas favelas estão desaparecendo. O objetivo da prefeitura é fechar o ano com até 3,5% a menos de favelas. Até 2016, a meta é reduzir em 5% a área ocupada por comunidades. Ações como esta evidenciam violações de direitos?
OSJ:
Primeiro é preciso saber o tipo de acordo que foi feito com as pessoas que
moravam nestes locais e para onde elas foram removidas. Se houve uma discussão
com estes moradores no que se refere ao projeto de urbanização previsto para o
local e se todas as alternativas foram esvaziadas até que se chegasse à decisão
coletiva de remover, seja por motivos de segurança ou porque para os próprios
moradores seria oportuna a moradia em outra localidade. Do contrário, mais uma
vez, o que vemos é um efeito perverso.
O que percebemos no caso do Rio de
Janeiro é um processo de remoção sem respeito e sem negociação. Se esse processo
fosse construído com o debate e a decisão tomada pelas famílias, seria correto e
a urbanização teria um efeito positivo. Mas o que vemos é a transferência
massiva de famílias de classes populares para áreas distantes. O que caracteriza
um claro processo de relocalização dos pobres no Rio de Janeiro. Essa ‘expulsão
branca’, neste momento, é progressiva, porém lenta e talvez seja irreversível.
Certamente, veremos seus impactos mais a frente. Se hoje, ainda percebemos a
heterogeneidade dos espaços populares, é bem provável que no censo de 2020 estes
mesmos espaços sejam ocupados por uma parcela quase que homogênea da população:
composta por pessoas de classe média, repleto de condomínios e que não tenham
nenhuma relação histórica com o local onde vivem.
O Direito à Cidade significa o direito de todos e todas dizerem
em que cidade querem viver, e participar das decisões relativas ao estado. O
poder público deveria abrir espaços de participação, consolidá-los. Vemos que
esse é um papel e ainda um desafio a ser cumprido pelo estado
OSJ: Nem todas as favelas são Áreas de
Especial Interesse Social. Quando transformamos uma favela em uma AEIS esse é o
primeiro passo para fazer a regulamentação fundiária desses territórios. É o
início para instituir um instrumento que reconhece a legalidade daquela favela e
estabelece núcleos urbanísticos especiais para aquelas áreas. Por isso ela é
considerada uma Área de Especial Interesse Social. Nem todas as favelas são
objetos de regulamentação fundiária. Tem um aspecto que considero equivocado,
que é estabelecer um decreto que visa à proibição sem discutir com os próprios
moradores os parâmetros urbanísticos que vão vigorar naquela área. Porque um
decreto generalizador que não considera as especificidades de cada favela e que
não é objeto de discussão dos moradores daquele local, ou seja, tem um equívoco
nessa relação. Nas outras, que não estão nesse processo de regularização, vigora
a irregularidade. A própria favela que não é AEIS é irregular, por isso esse
decreto não vale para essas áreas.
N&A: O que tem marcado o país, em especial o Rio de Janeiro, neste período?
N&A: O que tem marcado o país, em especial o Rio de Janeiro, neste período?
OSJ: De um lado,
temos que reconhecer os pontos positivos: o Estatuto das Cidades, decretos e
leis aprovadas que expressam o respeito aos direitos humanos, a lei do Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social. No caso da moradia, a lei do
Saneamento e a lei da Mobilidade, o Conselho das Cidades. Existem avanços. No
entanto, esse processo também é marcado, por uma nova rodada de mercantilização
das cidades. Esses processos são claramente negadores dos direitos. Vemos
retrocessos quando as cidades brasileiras negam os avanços ou anulam o que tem
sido conquistado. Ou seja, não é um contexto que permite muito otimismo, já que
o poder econômico tem intervido com muita força, mostrando a capacidade de
subordinar o estado aos seus interesses. E, dessa forma, mostra a capacidade de
subordinar e violar os direitos que estão garantidos na Constituição. O Direito
à Cidade significa o direito de todos e todas dizerem em que cidade querem
viver, e participar das decisões relativas ao estado. O poder público deveria
abrir espaços de participação, consolidá-los. Vemos que esse é um papel e ainda
um desafio a ser cumprido pelo estado.
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